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domingo, 17 de junho de 2007

METAMORFOSE


"As mulheres brasileiras fizeram mais por Portugal do que séculos e séculos de permutas académicas, literárias e culturais.
Tempos houve em que 'beleza' e 'mulher portuguesa' não rimavam na mesmam frase. Miguel Esteves Cardoso comentava há uns anos que a imagem de uma mulher bonita, entre nós, era motivo para conversas infindas durante semanas infindas. Atenta a escassez da espécie, a visão de uma mulher bonita tinha o impacto de um marciano que subitamente aterrava no fundo do quintal. Era um acontecimento. Era um choque. Era um meteorito cruzando os céus, deixando um rastro de fogo nas nossas imaginações carentes e lunares. A 'Mulher Bonita', era um ser de contornos mitológicos. Com as fadas. Os duendes. Os esquerdistas inteligentes. O resto era desolador. Rostos fechados. Pernas também. E o clássico bigode que crescia por desleixo. Como as ervas daninhas de um jardim abandonado.
Tudo mudou. Milhares de brasileiros cruzaram o Atlântico. Milhares brasileiras também. As ruas de Lisboa e do Porto foram inundadas por um certo calor tropical que deixou os homens assustados e maravilhados em partes iguais. Foi a nossa passagem do cinema mudo para o sonoro.
Claro que a chegada em massa de brasileiras em massa não contentou toda a gente. Não contentou as próprias mulheres lusitanas, subitamente atiradas para as cordas da concorrência internacional. Mas até aqui o liberalismo clássico revelou-se um profeta certeiro: a concorrência tende a melhorar o produto para alegria geral dos consumidores.
E o produto foi melhorado pela 'mão invisível' da competição hormonal. As portuguesas, dispostas a não peder a sua quota de mercado, deixaram que o jardineiro entrasse lá em casa, com tesoura de poda, pronto para cortar a relva florestal. Subiram-se as saias. desceram-se decotes.
Os portugueses descobriram, atónitos, que as suas mulheres tinham formas de mulheres. Conheço casos de amigos que, de um dia para o outro, concluíram que o irmão, afinal, era uma irmã. E, com a passagem dos anos e a chegada de mais mulheres, brasileiras, 'beleza' e 'mulher portuguesa' passaram a rimar nos nossos dias subitamente líricos e solares."

in "Avenida Paulista" - João Pereira Coutinho - 27.11.2006